sra. dalloway,
na décade de 90, houve uma proliferação de casa de tintas e sebos por aqui. em algumas ruas chego a ver 4 ou 5 lojas, seja de tintas, seja de livros ou de ambos. havia a esperança, acredito, de que poderiam recuperar uma memória que nunca puderam ter ou dar cores novas às casas já que derrubar e reconstruir tem sido algo doloroso para a história dessa gente.
a maioria dos estabelecimentos está em via de falir. alguns resistem. acabei ficando amigo de um senhor muito simpático que possui uma dessas lojas hibridas. ele cuida sozinho do lugar. lá se vê as tentativas de tornar o negócio mais rentável: as tintas das paredes sobrepostas numa experiência de invenção de novas cores; o curso de língua do país vizinho pegando pó; volumes de autores novos locais - alguns muito bons. mando-lhe algum assim que puder.
esse sr. de nome plate espera pelo filho que foi estudar administraçâo na capital. disse-me que sabe que o filho não levará a loja e seu legado e que fechará assim que seu filho dar as novas de que se formou.
nesse dia saí da loja com apenas 2 volumes de borges que consegui por preços irrisórios. "ninguém acredita mais nos latino-americanos e seus países sonhados, nem eu", disse-me. do rua, olhei através da vitrine o sr. plate organizar os livros por algum critério secreto e continuar suas experiências com as tintas. do outro lado da rua, alguém cantava cartola em lá-lá-lá e um outro recitava eduardo galeano num espanhol incompreensível.
pensei em ti e achei um desacato do sr. plate não acreditar nos latino-americanos.
quinta-feira, setembro 30, 2004
terça-feira, setembro 28, 2004
sra. dalloway,
há mto não lhe escrevo, mas não foram poucas as páginas guardadas. anotações, desenhos e indicações de músicas. essas linhas vão por saudade, a mesma que lhe aborrece de quando em quando. saudade da vida. muitas vezes pensei em retomar essa correspondência, mas sempre concluía que talvez nunca chegasse para onde sempre foram destinadas. penso que há muita chance de ser abortada novamente, mas hoje, depois de tantas desventuras e desencontros, não importa tanto. porque sua retomada não soa tão dolorosa.
ando curioso em saber como andam nossos amigos comuns. recebo só notícias ruins; as boas, suspeito, reservam para quando eu voltar. mas se eu me demorar? não ficarão ainda mais velhas as notícias? não será mais sôfrego estar ausente e ainda perder o fio da meada? e se eu não voltar há tempo?
aqui os relógios se confundem, ninguém chega a conclus?o alguma. eu matenho o mesmo relógio ao qual você fez elogios tão surpreendentes, mas até ele n?o me surpreende mais. assim que eu terminar essas linhas, enviarei postais aos nossos amigos e em cada um desses postais colocarei uma palavra secreta. assim será forçada a visitá-los para formar o quebra cabeça e saber o que anda sentindo o meu coração, se lhe interessar.
vai anexo alguns selos locais. não poderá usá-los sós, mas se colar alguns daí talvez os correios aceitem a brincadeira. e será como se estivéssemos infringindo a geografia para estarmos mais próximos mesmo que em envelope sem dolência.