as horas

sábado, janeiro 15, 2005

Querido,

Foi muito difícil pra mim retomar essa nossa correspondência, nem mesmo posso saber se este caso não se constitui apenas em excessão.
Receio também não trazer nenhuma novidade, espero que não se aborreça demais por isso.
Hoje em dia a fluidez das relações cotidianas me atrai mais que as confissões de alma.
É pela sua presença, e não pela sua memória, que escrevo esta carta.
Me diga, como se olha pra fora?
Estou emaranhada nas profundezas de um desempenho indigesto frente a vida.
Tenho achado tudo muito difícil.
Fico metaforizando, a poesia e a psicologia dos meus olhos que enxergam mal.
Num esforço, pela janela do ônibus, vejo:
. uma placa de rua azul
. os fundos de uma igreja
. um carrinho de coco quase gelado
. um ônibus bem amarelo muito bonito
. um sol generoso e ofuscante... essa cegueira branca me traga pra dentro de novo: um novelo de sentimentos atravessado no plexo comprimem, constantemente, o meu estômago e coração.


quinta-feira, setembro 30, 2004

sra. dalloway,

na décade de 90, houve uma proliferação de casa de tintas e sebos por aqui. em algumas ruas chego a ver 4 ou 5 lojas, seja de tintas, seja de livros ou de ambos. havia a esperança, acredito, de que poderiam recuperar uma memória que nunca puderam ter ou dar cores novas às casas já que derrubar e reconstruir tem sido algo doloroso para a história dessa gente.

a maioria dos estabelecimentos está em via de falir. alguns resistem. acabei ficando amigo de um senhor muito simpático que possui uma dessas lojas hibridas. ele cuida sozinho do lugar. lá se vê as tentativas de tornar o negócio mais rentável: as tintas das paredes sobrepostas numa experiência de invenção de novas cores; o curso de língua do país vizinho pegando pó; volumes de autores novos locais - alguns muito bons. mando-lhe algum assim que puder.

esse sr. de nome plate espera pelo filho que foi estudar administraçâo na capital. disse-me que sabe que o filho não levará a loja e seu legado e que fechará assim que seu filho dar as novas de que se formou.

nesse dia saí da loja com apenas 2 volumes de borges que consegui por preços irrisórios. "ninguém acredita mais nos latino-americanos e seus países sonhados, nem eu", disse-me. do rua, olhei através da vitrine o sr. plate organizar os livros por algum critério secreto e continuar suas experiências com as tintas. do outro lado da rua, alguém cantava cartola em lá-lá-lá e um outro recitava eduardo galeano num espanhol incompreensível.

pensei em ti e achei um desacato do sr. plate não acreditar nos latino-americanos.

terça-feira, setembro 28, 2004

sra. dalloway,

há mto não lhe escrevo, mas não foram poucas as páginas guardadas. anotações, desenhos e indicações de músicas. essas linhas vão por saudade, a mesma que lhe aborrece de quando em quando. saudade da vida. muitas vezes pensei em retomar essa correspondência, mas sempre concluía que talvez nunca chegasse para onde sempre foram destinadas. penso que há muita chance de ser abortada novamente, mas hoje, depois de tantas desventuras e desencontros, não importa tanto. porque sua retomada não soa tão dolorosa.

ando curioso em saber como andam nossos amigos comuns. recebo só notícias ruins; as boas, suspeito, reservam para quando eu voltar. mas se eu me demorar? não ficarão ainda mais velhas as notícias? não será mais sôfrego estar ausente e ainda perder o fio da meada? e se eu não voltar há tempo?

aqui os relógios se confundem, ninguém chega a conclus?o alguma. eu matenho o mesmo relógio ao qual você fez elogios tão surpreendentes, mas até ele n?o me surpreende mais. assim que eu terminar essas linhas, enviarei postais aos nossos amigos e em cada um desses postais colocarei uma palavra secreta. assim será forçada a visitá-los para formar o quebra cabeça e saber o que anda sentindo o meu coração, se lhe interessar.

vai anexo alguns selos locais. não poderá usá-los sós, mas se colar alguns daí talvez os correios aceitem a brincadeira. e será como se estivéssemos infringindo a geografia para estarmos mais próximos mesmo que em envelope sem dolência.

quarta-feira, julho 23, 2003

sra. dalloway,

estou lhe enviando essas flores colombianas para ver se são de seu agrado. elas são tão efêmeras que temo que não cheguem a tempo de ver a cor. se possuírem o amarelo vivo que vejo agora é sinal de que talvez a nossa comunicação nem seja tão difícil assim, mas se já estiverem desbotadas é que o tempo é um dos inimigos impede as naturais formalidades.

existem muitas outras dificuldades assim como existem outros tipos de flores tão belas e crueis quanto as esquisitices do tempo. torçamos por tempos de semeadura e pela mutação de flores resistentes a perfidia e a crueldade.

sexta-feira, junho 13, 2003

sra dalloway,

estou de partida, vou para a africa. tentarei escrever se puder. fiz a barba e raspei a cabeça. tomei vacinas, muitas, coloridas até. minha mala é para dias, mas seu conteúdo é para anos. vou deixar aqui o endereço e o telefone mais próximo de onde ficarei até meados de junho. depois disso, não sei mais. as horas que demorei só para escrever essas linhas demonstram a turbulência do meu coração. guarde biscoitos e café para minha volta, mas se eu demorar os dê para outra pessoa. não deixe de esquecer dos cactos.

toda vez que puder, deixe o portão aberto para os cachorros passearem e certifique-se que a amoreira não adoeça. os morangos estão perdidos. queime todas as minhas cartas, vou reescrevê-las nos meus tempos ociosos. preciso ir agora. os trens são pontuais quando partimos.

quarta-feira, junho 04, 2003

sra. dalloway,

é este momento de junho. a cidade está alvoraçada, desvairada. começa a fazer frio e todos correm para suas casas ou lugares de chocolates quente. a sra. ainda está indecisa se compra suéteres ou casacos mais caros. o desemprego está alto e não convém gastar além da conta. é este momento de junho. uma celebração para os que podem; uma desgraça para os que não. vou te beijar a testa agora, sra. dalloway, para dizer que tudo passa.

sábado, maio 31, 2003

sra. dalloway,

se me avisse antes que vinha, eu teria arrumado a bagunça e preparado o quarto com lençois mais frescos. teria abertos todas as janelas que ultimamente tenho mantido cerradas por causa do frio e outras inseguranças. poderia ter preparado um banho, mas não sei que oléos e balsámos costuma usar; ficaria por sua conta. mas repentina assim, nem pude avisar que o sofá em que está deitada é duro e incomoda o cocx e que não tenho ainda vasos bonitos para as suas flores escandalosas. mas se ficar um pouco mais, posso preparar um café diferente que aprendi por aí, um café com quase gosto de café.

quarta-feira, maio 28, 2003

sra dalloway,
vou eu mesmo comprar suas flores. quais as de sua preferência? estou a toa com os crisântemos, mas envelhecem mesmo com aspirina. posso comprar rosas ou margaridas. o que te der mais felicidade, é claro. sou um pouco avesso às orquídeas por causa do cuidado e dedicação que se deve ter. mas se quiser.

sexta-feira, fevereiro 28, 2003

cara tereza,

está sendo uma experiência muito feliz a reeleitura deste livro cuja autore talvez me seja a mais querida. muitissimo mais feliz é ter você nessa jornada. vejo muitas semelhanças entre a autora e você, o que não tira nenhum mérito de ambas, ao contrário, só enriquece.


esta edição é a mesma que possuo, com a diferença que a minha possui as anotações da minha primeira leitura. pensei em dar esta última, mas a curiosidade e o nostalgismo não permitiram desfazer. acho que será engraçado relembrar (ou pelo menos tentar) as idéias, os sentimentos e as sensações que tive na idade que é quase que a sua agora.

tive a idéia ao comprar esta edição em escrever um blog conjunto contigo sobre o livro. uma espécie de diário de leitura. o que acha? o nome provisório ou anterior de "sra. dalloway" era "as horas"; pensei em chamar assim nosso blog. também é o nome do filme que estreará em breve que tem este livro como personagem também. acho um nome muito bom, "as horas".

espero que esta empreitada te anime um pouco. eu, pelo menos, estou empolgado.

muitos beijos
e boa leitura

marcio y. yonamine
21.02.2003 10:19

p.s. há um filme do livro com vanessa redgrave
p.s.s. e o meu prefácio para "razões..." ?

domingo, fevereiro 23, 2003

:: nota bibliográfica

woolf, virginia
____sra.dalloway. coleção os imortais da literatura universal. 1 edicao. 1972.
____ trad. mario quintana.

sexta-feira, fevereiro 21, 2003

:: as horas : sra. dalloway : virginia woolf ::